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Consumidores amazonenses enfrentam série de retrocessos nos últimos anos

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Com a extinção do Procon Municipal e as sentenças que utilizam a tese do ‘mero aborrecimento’ (problemas do dia a dia) como fundamento para improcedência do dano moral em ações judiciais, consumidores de Manaus e do interior do Amazonas enfrentam uma série de retrocessos nos últimos anos.

Ausência do dano moral nos tribunais

Isto é o que viveu na pele o advogado Thiago Coutinho, assim como outros advogados. Ele conta que o consumidor, em que estava defendendo, aguardou mais que o tempo legal, em fila bancária, mas o magistrado considerou que não havia ocorrido o dano moral daquele caso

Para o membro da Comissão Especial de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB, Rodrigo Palomares, a tese do mero aborrecimento além de restar configurado abuso de direito ou até mesmo abuso de jurisdição, eis que traz inúmeros prejuízos a toda sociedade brasileira.

“Tanto é verdade que inexiste no Código de Defesa do Consumidor, bem como no Código Civil qualquer excludente de ilicitude denominada mero aborrecimento, ou seja, é algo inconcebível para a segurança jurídica nacional. Logo quando o Poder Judiciário afasta a responsabilização de fornecedores com a famigerada tese, ele ratifica o ilícito perpetuando a péssima prestação de serviços e a baixa qualidade dos produtos, além de não estimular o investimento em treinamentos para os mesmos”, relata.

Na avaliação de Thiago, a tese do “mero aborrecimento” ou “dissabor cotidiano” (como algumas vezes é tratado), são extremamente danosos ao consumidor e ao próprio judiciário, que indiretamente fomentam a impunidade majorando o número de processos.

“Acontece que a ocorrência de dano moral, ou sua não ocorrência (mero aborrecimento), seguem critérios muito subjetivos. Veja, para se caracterizar, em regra, o dano moral é necessário que o consumidor comprove ofensa a algum direito da personalidade (o bom nome, a honra, a imagem e etc), porém, essa comprovação por vezes é impossível, bastando para tal, no meu entender, que o juiz avaliasse se a experiência do consumidor foi algo plausível de ser suportado por qualquer pessoa em sociedade ou se aquilo extrapolou os limites do razoável. Então, neste caso, o consumidor deve ser indenizado independentemente da ocorrência ou não de dano moral”, pontua.

Para o presidente da Comissão do Direito do Consumidor da OAB/AM, Nicolas Gomes, decisões fundamentadas pela teoria do mero aborrecimento estimulam a famigerada “indústria do dano”. “E não é a do dano moral, mas a do dano às pessoas, em que os direitos são descumpridos e nada é feito. Muitas vezes, por exemplo, bancos descontam pequenos valores indevidamente da conta de consumidores e isso é considerado como ‘mero aborrecimento’ por alguns Juízes”.

Extinção do Procon Manaus

Outro retrocesso que os amazonenses enfrentam, é que em julho de 2020, foi extinta a Secretaria Municipal de Defesa do Consumidor (Semdec), conhecida fomo Procon Manaus.

Para Palomares fechar o Procon, dispensa comentários quanto tratar-se de retrocesso na defesa dos direitos consumeristas. Na avaliação do especialista, a extinção prejudica o consumidor em todos os sentidos, pois, a Defesa do Consumidor é princípio básico da ordem econômica nacional.

“Se o sistema de Defesa do Consumidor é enfraquecido, a própria economia nacional é enfraquecida, havendo o distanciamento de potenciais investidores em virtude da total bagunça jurídica instaurada pela subjetividade que a jurisprudência defensiva sob o manto do mero aborrecimento tem causado”, destaca.

Demanda no Procon AM aumentou

O diretor-presidente do Procon-AM, Jalil Fraxe, revelou que com a extinção do Procon Manaus, durante a gestão anterior, os processos que estavam em tramitação por lá foram encaminhados ao Procon-AM. A pasta, na ocasião, recebeu aproximadamente 250 processos oriundos do órgão municipal.

“As demandas têm se intensificado nos últimos anos. Durante a gestão Wilson Lima, o Procon-AM se tornou uma autarquia, com mais mecanismos para poder atuar na defesa do consumidor. Com a pandemia da Covid-19, o Procon-AM viu uma nova realidade, com demandas que não existiam antes, como os valores de máscaras, álcool em gel e agora os testes de detecção do vírus. Tendo em vista o melhor atendimento ao público, iniciamos no fim de 2021 um núcleo de atendimento aos consumidores superendividados e, em relação aos processos, firmamos parceria com o Tribunal de Justiça do Amazonas como forma de dar mais celeridade aos trabalhos e conseguir, assim, uma resolução mais rápida dos conflitos”, revela.

O vereador Dr. Eduardo Assis, vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor (Comadec), solicitou, em 2021, ao prefeito David Almeida, que reativasse o Procon Manaus e destaca que neste ano vai pedir novamente.

“Eu considero um retrocesso muito grande a extinção do Procon Municipal. Vamos reiterar novamente esse pedido neste ano. Acho muito importante a recriação do Procon municipal que é mais uma ferramenta para ajudar a população”, pontua.

Demanda no interior

Na avaliação do Dr. Eduardo Paixão, delegado titular da Delegacia Especializada em Crimes contra o Consumidor (Decon), seria essencial que todos os municípios do Amazonas tenham, por intermédio das prefeituras, Procon Municipal e um núcleo de vigilância sanitária para fazer fiscalizações, recebimentos de denúncias e orientações aos consumidores de todos os tipos de práticas inescrupulosas.

“A Delegacia do Consumidor e sua equipe de investigação se preocupam com a causa do consumidor, principalmente no interior do Amazonas. E por isso incentiva que os prefeitos em todos os municípios e as respectivas câmaras municipais tenham sensibilidade com a causa do consumidor, com a saúde pública para que a delegacia do consumidor do Amazonas e o Procon localizado na capital tenham mais capilaridades nestes municípios”, explica.

Processo administrativo

Em junho de 2021 foi instaurada uma portaria de Procedimento Administrativo, pelo Ministério Público do Estado, em nome do promotor Edilson Queiroz, para que a Prefeitura de Manaus se manifestasse pelo fato da inexistência do Procon Municipal.

A Prefeitura de Manaus se manifestou, por meio da Casa Civil, que devido a obediência à Lei Complementar nº173/2020, que impôs uma série de restrições, inclusive aumento de despesas, por conta da covid-19, não poderia reativar o Procon naquele ano. Mas que Já estuda a viabilidade de criar a Secretaria Municipal de Defesa do Consumidor.

No último dia 19 de janeiro deste ano a 81º Promotoria de Justiça de Manaus, em nome da promotora Sheyla Andrade, cobrou novamente respostas da Prefeitura por meio de Procedimento Administrativo.

“Quando houve a extinção do Procon Manaus foi num contexto de pandemia em 2020, uma decisão política, na época justificada por contenção de custos. Ocorre que quando o Ministério Público tomou conhecimento houve uma preocupação: apesar do Procon Estadual estar desempenhando uma tarefa brilhante, mesmo com a capacidade reduzida de pessoal e estrutura, mas eles têm tentando atender as demandas na área de defesa do consumidor”, ressalta Andrade.

Para a promotora, muitas questões justificam a ativação do Procon Manaus. A cidade tem mais de 2 milhões de habitantes e o próprio cenário de pandemia exige uma atuação por parte dos órgãos de fiscalização do consumidor.

“Nós vamos com este procedimento administrativo coletar todas as informações no sentido que seja aberto com o poder público municipal as tratativas para que surjam outras alternativas. Se não for a ativação do Procon Manaus, mas que tenha outros meios para fortalecer a defesa do consumidor”, declara.

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